domingo, 30 de dezembro de 2012

Fungi



1972.Em algum ponto da Serra do Espinhaço dois cientistas estão em uma expedição a procura de fama e reconhecimento.
-Veja senhor Trevis, logo à frente está a entrada da gruta.
-Que maravilha. Não sei se suportaria caminhar por mais tempo nesta serra. Há dois dias que deixamos para trás o povoado.
-Valerá à pena senhor Trevis. Tenho certeza que o senhor encontrará muitos espécimes interessantes.
Os dois franceses conversavam animadamente enquanto desciam a encosta íngreme do lado noroeste da serra, em direção a entrada quase imperceptível da gruta logo à frente. A viagem longamente planejada ao Brasil em breve renderia frutos a dupla de proeminentes cientistas.
-O senhor tem razão Jules. Este país já se mostrou muito promissor em espécimes botânicos raras. Em nosso caminho já recolhi dezenas de amostras para analisar quando chegarmos em Paris. Tenho certeza que muitas destas plantas nunca foram catalogadas.
Os cientistas pararam na entrada da caverna para montar acampamento. A noite chegaria logo e estava decidido que explorariam a gruta pela manha. Os dois estavam exaustos da longa caminhada e do clima tropical. Além do que não era prudente explorar cavernas a noite.
-Me diga senhor Jules, o que você espera encontrar em nossa expedição?-indagou o botânico enquanto enchia o cantil no pequeno riacho que passava por ali.
-As grutas desta região ainda são quase inexploradas, como o senhor bem sabe caro Trevis. No Brasil a espeleologia não é levada muito a serio -  enquanto falava ,o doutor ia se desfazendo das bagagens pesadas que carregava. – Como o senhor, eu espero encontrar alguma espécime não catalogada. A diferença é que os espécimes que eu procuro já estão extintas.
-Por favor, me explique melhor.
-Eu procuro por fosseis, senhor Trevis. Acredito que possamos encontrar aqui alguns ossos ou vestígios de animais que viveram nesta região em um passado remoto.
Algo muito estranho começou a intrigar o botânico, logo que observou o interior da caverna.
-Veja meu caro amigo, que brilho curioso vem do interior da gruta. -exclamou o senhor Trevis, mostrando uma luz verde que emanava de algum lugar lá no fundo.
-Sim, não me lembro de já ter visto algo assim em outras grutas que explorei. Pode ser o reflexo do sol em algum cristal ou lago subterrâneo. Algumas grutas possuem diversas entradas, talvez esta seja assim.
-Não acho que seja o caso desta vez, messier Jules. Quero dar uma olhada.
-Já é tarde. Não é uma boa hora para começarmos explorar. A noite já esta para cair.
O senhor Trevis, sem dar ouvidos ao que o colega dizia, foi pegando uma lanterna e adentrando a caverna.
-Só vou dar uma olhada no próximo salão. Estou muito curioso, não posso esperar até amanha.
Sem conseguir dissuadir o colega, Jules pegou a outra lanterna e começou a seguir o botânico. O primeiro salão era pequeno, alguns passos e os franceses passaram por uma estreita entrada que fazia a ligação com um corredor. O corredor, levemente inclinado descia até chegar a outro salão, muito maior e mais alto  que o primeiro .Lá os cientistas se depararam com uma visão impressionante.
-Veja que maravilhoso meu amigo! - não se conteve o senhor Trevis – Veja como são maravilhosos estes exemplares de fungos fotoluminescentes.
-É mesmo impressionante. Nunca vi cogumelos brilhantes antes.
-Eu já estudei outros exemplares fotoluminescentes antes, mas nunca encontrei algo tão espetacular assim em minha vida. - o botânico colheu uma amostra de um pequeno cogumelo verde e ficou observando bem de perto. O chão estava coberto com uma luz verde que emanava daqueles pequenos cogumelos.
-Vamos voltar meu amigo. Amanha você terá tempo de colher quantas amostras quiser.
-Sim, sim. Vamos voltar. - dizia Trevis, mas quando se preparava para voltar algo ainda mais intrigante lhe chamou a atenção. Outra entrada para o salão inferior emanava uma luz ainda mais brilhante.
Sem se dar conta, como se enfeitiçado por aquela luz, o botânico se viu caminhado no caminho oposto ao da entrada da gruta. Jules seguia seu colega. O próximo salão brilhava mais intensamente que o interior, de tantos cogumelos espalhados pelo chão e pelas paredes, criando um ambiente ao mesmo tempo belo e fantasmagórico.
-Você sabia meu caro Jules, os fungos apesar de ser estudo da botânica se aproximam mais do reino animal do que do reino vegetal? Os fungos não fazem fotossíntese, eles dependem de decompor a matéria orgânica proveniente de outros seres vivos para se alimentarem.
-Cof... cof.... Muito interessante. Olha messier Trevis, todos estes fungos são realmente lindos, mas insisto que deveríamos voltar.
-Veja que lindo este! –empolgado, o francês iluminava aqueles exemplares que mais lhe chamavam a atenção.
E assim, mesmo a contragosto de Jules, e com a noite já se estendendo, os dois cientistas desciam mais e mais pela caverna, guiados pela curiosidade de Trevis. O que deixava o espeleologista um pouco mais calmo era o fato da gruta apresentar um grau de dificuldade relativamente fácil. Apenas corredores pouco íngremes e as passagens permitiam se deslocarem sem muita dificuldade .Mas se as baterias das lanternas acabasse, a luminescência dos fungos não seria suficiente para voltar.
-Cof... cof...algo irritava a garganta de Jules - Você disse que os fungos precisam de matéria orgânica ara sobreviverem messier Trevis,de onde estes fungos retiram o alimento nesta caverna?
-Boa pergunta meu colega. Talvez dos excrementos dos morcegos que vivem na caverna. Cof... cof.. – a garganta de Trevis agora também estava irritada.
- Talvez, mas os morcegos não costumam passar do segundo salão de uma gruta e mesmo nos primeiros salões não observei a presença deles.. –Jules já um pouco cansado se sentou sobre o tapete de cogumelos que se formava sobre o chão. – Vamos descansar um pouco para voltarmos messier Trevis. Precisamos sair daqui antes de acabar as pilhas da lanterna.
-Você tem razão meu amigo, eu me empolguei demais. Vamos voltar – ao dizer isto o botânico iluminou a face do colega e se assustou com o que viu. – Meu amigo, seu nariz está sangrando!
Jules passou a mão e constatou o que Trevis dizia.
- Precisamos sair logo daqui Sr. Jules. Vamos!
- Então os dois começaram a caminhar em direção a saída da gruta. Mas de repente Trevis sentiu uma forte dor de cabeça e tontura que quase foi ao chão. Sua lanterna caiu e a luz iluminou uma ondulação no chão da gruta. A principio o que parecia ser apenas um monte de rochas coberto por cogumelos se revelou restos mortais de um homem. Aquele homem já devia estar ali a muito tempo, pois agora só sobrara seus ossos e restos de sua roupa já em decomposição.
- O que está acontecendo aqui Sr. Trevis? Cof... cof...
- Cof... coff...Precisamos sair daqui o mais rápido possível meu amigo. Parece que estes cogumelos infestam o ar desta caverna com minúsculos esporos venenosos.
Mas o retorno de volta a superfície, que parecia ser fácil estava se tornando um grande sacrifício. Os pulmões dos franceses já estavam tomados pelos esporos dos fungos e cada passo era difícil.
- Cofff...Cooof.
Agora, cada vez que tossiam, deixavam escapar muco misturado com sangue. Seus olhos já não conseguiam focar direito o caminho a frente e a cabeça doía. Cada passo era uma luta.Então, quando atravessavam o segundo salão, Trevis caiu estirado ao chão. Na queda as pilhas da lanterna caíram e se perderam.
- Levanta Trevis...coof...Não podemos acabar aqui assim...
-Deixe-me amigo,fuja logo ou você irá perecer aqui comigo...não há mais tempo para mim.
Jules sem ter outra alternativa, continuou a caminhar em direção a saída. Quando chegou no corredor que dava acesso ao primeiro salão da caverna, escorregou e caiu. Aos poucos sua visão foi ficando cada vez mais turva. Sua respiração ficou cada vez mais difícil, até o ultimo suspiro. A luz de sua lanterna ainda iluminou a caverna por mais uma hora antes de apagar-se. Os corpos dos cientistas franceses agora se tornariam parte da gruta e alimentariam uma outra geração daqueles lindos cogumelos luminescentes.

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